terça-feira, 5 de agosto de 2014

UMA PARÁBOLA PARA SER LEMBRADA

Nesses últimos dias os olhos do mundo estão voltados para o Oriente Médio, para o conflito Israel-Palestina. Egito, Estados Unidos e a União Europeia tentam chegar a um acordo de cessar-fogo, mas até o presente momento o fim dos conflitos que já vitimaram milhares de pessoas, muitas delas civis, parece ser um sonho distante. Combates violentos e acusações de ambas as partes são predominantes. Ambos os lados reivindicam para si o direito sobre a Terra Santa.
O erudito, Kenneth Bailey, em seu excepcional livro, “As Parábolas de Lucas” (Vida Nova), fala um pouco desse desejo de “herança”. Quem de fato tem direito sobre Jerusalém – os judeus os árabes ou ambos? Kenneth Bailey diz que o clamor pedindo justiça para a divisão da terra é o problema mais melindroso do Oriente Médio, e que hoje há duas vozes que clamam no Oriente Médio, pedindo uma divisão justa da “herança”. Em um belo texto de poema e prosa Bailey escreve:

Sou uma voz:
  a voz de sangue derramado
      clamando desde a terra.
A vida está no sangue
e durante anos a minha vida fluiu nas veias de um jovem.
   Minha voz foi ouvida através da voz dele,
         e a minha vida era a vida dele.

Então o nosso vulcão entrou em erupção
e durante vários dias de entorpecimento
        todas as vozes humanas foram silenciadas
                por entre o rugir dos canhões pesados,
                o clangor metálico de esteiras de tanques,
                 os estampidos que fazem tremer os ossos,
                 como gladiadores com espadas de um milhão de dólares
                 a se matarem uns aos outros nas alturas do céu.

Depois, repentinamente – repentinamente
       veio o zumbido de um lançador de foguetes –
        um clarão amarelo sujo –
         todo o inferno rugiu.
O clangor das grandes esteiras cessou.
       O meu jovem herói saiu cambaleando e gritando do seu inferno;
        o seu corpo contraiu-se bruscamente e caiu pesadamente na areia.
E eu fui jogado por terra –
    a santa terra
     da Terra Santa.

A batalha continuou.
        Os veículos feridos continuavam queimando,
               ressecavam-se
                       e esfriaram.

Os “vagões de carne” levaram os corpos embora, enquanto
         o frio da noite do deserto
         abateu-se sobre colinas e dunas.
         E eu, endurecido e escurecido na areia.
E então – e então
Ao voltar o silêncio imemorial
        do agora cicatrizado deserto,
ali – ali congelada na terra,
         na terra de profeta, sacerdote e rei –
Eu ouvi uma voz –
      uma voz das profundezas da terra,
      uma voz de uma era imemorial,
      uma voz de outro sangue
            outrora derramado violentamente na terra.

A voz me contou esta antiga estória;
sangue precioso entoou este antigo conto.

“Certo homem tinha dois filhos.
Um era rico e o outro era pobre.
        O filho rico não tinha filhos
         enquanto que o filho pobre fora abençoado com muitos filhos e muitas filhas.

Com o passar do tempo o pai caiu enfermo.
       Ele estava certo de que não viveria mais uma semana
       e por isto no sábado ele chamou os filhos para o seu lado
       e deu a cada um deles metade da terra da sua herança.
        E depois morreu.
Antes do pôr do sol os filhos sepultaram seu pai com respeito
      como o costume requer.

Naquela noite o filho rico não conseguiu dormir.
        Ele disse para si mesmo:
“O que o meu pai fez não foi justo.
Eu sou rico, e meu irmão é pobre.
Eu tenho pão suficiente e de sobra,
        enquanto que os filhos de meu irmão comem um dia
        e confiam que Deus os alimentará no seguinte.
Preciso mudar o marco que nosso pai colocou no meio das terras
de forma que o meu irmão tenha um quinhão maior.
         Ah – mas ele não pode me ver,
         Se ele me vir, ficará envergonhado.
         Preciso me levantar de madrugada, antes do sol nascer, e mudar o marco!”

Com isto ele adormeceu
        e o seu sono foi seguro e pacífico.

Nesse ínterim, o irmão pobre não conseguiu dormir.
        Enquanto estava deitado inquieto na sua cama, disse para si próprio:
        “O que meu pai fez não foi justo.
         Aqui estou eu rodeado da alegria de muitos filhos e muitas filhas,
         enquanto que meu irmão diariamente enfrenta a vergonha
                  de não ter filhos que ostentem o seu nome
                        nem filhas para consolá-lo na sua velhice.
Ele devia possuir a terra de nossos pais,
       Talvez isto em parte lhe compensasse
Pela sua indescritível pobreza.
Ah – mas se eu lhe der ele ficará envergonhado.
Preciso levantar-me de madrugada, antes do sol nascer
        e mudar o marco que nosso pai colocou!”
Com isto ele adormeceu
        e o seu sono foi seguro e pacífico.

No primeiro dia da semana –
        bem de madrugada,
        muito antes de o dia romper,
        os dois irmãos se encontraram no lugar do velho marco.
                  Caíram em lágrimas nos braços um do outro.
                        E naquele lugar foi construída a cidade de Jerusalém”.[1] 


Que todos nós possamos orar pela paz na Terra Santa.

Rikison Moura, V. D. M.




[1] Kenneth Bailey, in, Ressurreição – Ode sobre um tanque a queimar: Terras Santas, outubro de 1973. As Parábolas de Lucas, São Paulo, Vida Nova, 1995, 3ªedição, pp. 143-145.

Um comentário: