sexta-feira, 22 de agosto de 2014

A PREGAÇÃO DE UM REFORMADOR


Falar de pregação poderosa em nossa época parece algo obsoleto e quase que desconhecido. Isso pelo fato de que a pregação genuinamente bíblica parece não atrair as pessoas. Muitos pregadores que deveriam ser defensores da verdade capitularam-se à heresia e cederam ás pressões populares que exigem uma pregação cada vez mais leve em suas exigências.
Cada dia que passa a pregação bíblica desaparece de nossos púlpitos. Os sermões estão cada dia mais curtos, tornando-se impossível apresentar o conselho de Deus em apertados 15 minutos. Além disso, a visão do que hoje é pregação bíblica está ofuscada. Muito daquilo que denominamos “pregação”, na verdade não passa de entretenimento barato, teatro de bonecos e superficialidades. Muitas pregações estão tão psicológicas que para muitos Freud é Deus. Devido à isso, os pregadores estão bebendo em fontes estranhas as Escrituras. Buscam a autoajuda e não a ajuda do Alto. Recorrem não à Palavra de Deus, mas sim ás palavras dos homens. Não querem estudar doutrina, mas mergulham de corpo e alma nos manuais de psicologia e livros de autoajuda. Em busca de um crescimento rápido, os homens criaram métodos, que via de regra, não inclui a pregação da Palavra de Deus. Muitos não pregam a Palavra, pois não creem que ela possa produzir grandes resultados, e por não crerem no poder do Evangelho de Jesus Cristo e nas grandes doutrinas da graça, abriram seus corações e o entupiram de toda sorte de males destrutivos à saúde da igreja.

Mais do que nunca precisamos revitalizar os nossos púlpitos. Pois a pregação é o meio designado por Deus para a conversão de pecadores, o despertar da igreja, e a edificação dos santos. “Visto que, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura da pregação” (1Co 1.21). Se falharmos na suprema tarefa da pregação, as consequências serão desastrosas.
Vamos olhar rapidamente para o passado, e vermos como o maior pregador da Reforma encarava o púlpito e qual era a sua posição em relação à Palavra de Deus.
De início quero deixar diametralmente claro que a pregação de Calvino é relevante para o nosso tempo, pois Calvino é um pregador para todas as épocas. Aqueles que se mantiveram fiéis ao Senhor nunca devem cair no esquecimento. Das muitas ocupações de Calvino, o púlpito era a mais urgente. A pregação era o seu compromisso vitalício, a obra mais sublime do seu chamado pastoral. Ele via o púlpito como a sua mais importante tarefa. Para ele o púlpito era o trono do qual Deus governa o seu povo, e quando a Bíblia fala, Deus fala. Calvino nutria um sentimento grandioso pelas Sagradas Escrituras. Para Calvino, a Bíblia era: “A Palavra pura de Deus”, a “Sagrada Palavra de Deus”, “Santa Palavra”, “Palavra da verdade”, “Palavra de Vida”, “Infalível”, que tem “segura credibilidade”, “Norma da fé”, “Infalível norma de Sua sacra vontade”.
Daí começamos a entender que a pregação que transforma vidas deve está centrada na Palavra de Deus. Calvino permaneceu firme sobre a pedra angular da Reforma, o Sola Scriptura, ou Somente a Escritura. Nos seus dias a principal controvérsia era a autoridade da igreja. Para o catolicismo romano, as tradições da igreja, os decretos do papa e as decisões dos conselhos eclesiásticos precediam a verdade bíblica. Porém, para Calvino, não é a Igreja que autentica a Bíblia pela sua interpretação, a Palavra antecede a Igreja e a si mesma se autentica como Palavra autoritativa de Deus. “Portanto, dizia Calvino, tentar subordinar a autoridade da Bíblia ao seu arbítrio consiste blasfêmia”.
A igreja romana também argumentava que a Escritura devia sua autoridade à autoridade da igreja, porque foi à igreja que “criou” o cânon. Esta posição foi fortemente criticada por Calvino: “Nada, portanto, pode ser mais absurdo do que a ficção, no sentido de que o poder de julgar a Escritura cabe à igreja, e que aquela depende certamente do comando desta. Quando a igreja a recebe e lhe confere o timbre de sua autoridade, ela contrariamente não torna autêntica a que era duvidosa ou contravertida, mas reconhece-a como a verdade de Deus; fiel ao dever, ela mostra sua reverência por meio de uma aceitação resoluta”. E ainda: “É chocante blasfêmia afirmar que a Palavra de Deus é falível até que obtenha da parte dos homens uma certeza emprestada”.
 Calvino via a si mesmo sob a autoridade da Palavra de Deus, e isso lhe dava um profundo senso de humildade e reverência. A posição que um indivíduo ocupa na igreja não lhe dá o direito e nem a licença de acrescentar ou subtrair algo da Palavra de Deus. Sobre isso Calvino diz:
“Que esta seja a nossa regra sacra: não procurar saber nada mais senão o que a Escritura nos ensina. Onde o Senhor fecha seus próprios lábios, que nós igualmente impeçamos nossas mentes de avançar sequer um passo a mais (...) é ordenado a todos os servos de Deus que não apresentem invenções próprias, mas que simplesmente entreguem aquilo que receberam de Deus para a congregação, da mesma forma como alguém que passa algo de uma mão para outra”.
Para Calvino, o pregador não é alguém que inventa mensagens ao seu próprio gosto, mas sim alguém que deve transmitir fielmente aquilo que recebeu de Deus através de Sua santa Palavra.
Calvino era um homem de amplas potencialidades. Tinha um grande domínio da linguagem, retórica, análise literária, argumentação e capacidade de observação. Além disso, o reformador conhecia as línguas originais das Escrituras, o hebraico e o grego. Quando pregava no Antigo Testamento, ele usava o texto hebraico, quando pregava no Novo Testamento, usava o texto em grego, e, além disso, ainda dava aulas em latim. Mas Calvino não abandonou em momento algum na sua pregação a direção e a dependência do Santo Espírito de Deus. Ele era um pregador bíblico, um teólogo do Espírito Santo que apesar de toda a sua capacitação humana, depositava a sua confiança na operação do Santo Espírito de Deus. Ele mesmo disse: “Quando o pregador realiza sua incumbência com fidelidade, falando apenas o que Deus coloca em sua boca, o poder do Espírito Santo, o qual o pregador possui dentro de si, une-se à sua voz externa (...) toda pregação deve ser desempenhada pelo Espírito Santo”. Calvino acreditava que as pessoas não poderiam ouvir a Deus se o Seu Espírito não estivesse trabalhando, de forma que elas abracem pela fé o que está sendo dito. Ele cria que o Espírito Santo age nos ouvintes por meio de um pregador, só até o ponto em que a Palavra de Deus é ensinada com exatidão e clareza, isso o levou a dizer: “O poder do Espírito é apagado logo que os doutores em teologia começam a tocar trombetas diante de si... para exibir sua eloquência”.
Calvino não procurava impressionar as pessoas com um floreado retórico, a sua congregação em Genebra não foi impactada com demonstrações de inteligência humana, mas sim com uma impressionante apresentação da majestade de Deus, com uma exposição séria de Sua Palavra, no poder do Espírito Santo. Calvino apresentava a mensagem bíblica de forma direta, simples e convincente, procurando sempre glorificar a Deus e beneficiar seus ouvintes com uma apresentação clara e compreensível das Escrituras. Ele mesmo define qual a missão de um verdadeiro teólogo:
“O fim de um teólogo não é deleitar os ouvidos, com arguir loquazmente, mas firmar as consciências, em ensinando o verdadeiro, o certo, o proveitoso”. E ainda: “O alvo de um bom mestre deve ser sempre converter os homens do mundo para que volvam seus olhos pra o céu”.
Calvino diz que “Deus ao dar-nos as Escrituras, não pretendia nem satisfazer nossa curiosidade, nem alimentar nossa ânsia por ostentação, nem tampouco deparar-nos uma chance para invenções místicas e palavreado tolo; sua intenção, ao contrário, era fazer-nos bem. E assim, o uso correto da Escritura deve guiar-nos sempre ao que é proveitoso”. E ainda: “Aquele que não tenta ensinar com o intuito de beneficiar, não pode ensinar corretamente; por mais que faça boa apresentação, a doutrinação não será sã, a menos que cuide para que seja proveitosa a seus ouvintes”.  Sobre o estilo da pregação de Calvino, Theodore Beza, seu sucessor, declarou: Tot verba tot pondera:toda palavra tinha um peso”.
Steven Lawson diz que: “A admiração que o reformador tinha pela Bíblia foi impulsionada por conta de sua variada combinação de ensinamentos simples, paradoxos profundos, linguagem comum, nuanças complexas e uniformidade coesiva. Do ponto de vista de Calvino, explorar a altura, a largura, a profundidade e a amplitude da Bíblia era venerar seu Autor sobrenatural”.
Tanto Calvino como os outros reformadores acreditavam que a pregação genuína da Palavra de Deus era um dos distintivos da Igreja de Cristo:
“Certamente existe uma igreja de Deus onde vemos sua Palavra ser pregada e ouvida com exatidão, e onde vemos os sacramentos serem administrados de acordo com o que Cristo estabeleceu; por outro lado, uma assembleia na qual não se ouve a pregação da doutrina sagrada não merece ser reconhecida como igreja”.
 Ele também disse: “A igreja de Deus será educada pela pregação autêntica do evangelho”. E acrescentou: “A igreja de Deus será educada pela pregação autêntica de sua Palavra e não pelas invenções dos homens [as quais são madeira, feno e palha]”.
Uma outra característica da pregação de Calvino e que é totalmente contrastante com o que nós vemos hoje em dia era o seu senso de dever, a percepção de que as Escrituras não deveriam ser tratadas com leviandade, a pregação não deveria ser encarada como algo trivial. Ele mesmo escreveu: “O pregador deve falar de uma maneira que mostre que ele não está fingindo”. E ainda: “Além disso, aprendamos que Deus não tem a intenção de que existam igrejas semelhantes a lugares onde as pessoas se divertem e dão gargalhadas como se uma comédia estivesse sendo representada. Deve haver majestade em sua Palavra, de modo que sejamos persuadidos e influenciados”.
Parece-nos que hoje em dia o pregador bem sucedido é aquele que coloca uma piada em cada sentença. Que não sabe falar sem contar um dito espirituoso e, as vezes, de gosto duvidoso. Infelizmente, parece que o alvo de muitos “pregadores” é divertir as pessoas. Muitos falam de avivamento, poder de Deus, mas cultivam uma atmosfera onde não há espaço para o choro e a contrição.
Considere o que John Piper escreveu a cerca dessa tendência de muitos pregadores:
“Parece que os risos substituíram o arrependimento como o alvo de muitos pregadores. Risos significam que as pessoas estão se sentindo bem. Significam que gostam de você. Significam que você os comoveu. Significam que você tem poder em alguma medida. Significam que você tem todas as marcas de uma comunicação bem-sucedida – se deixarmos de fora os critérios da profundidade do pecado, da santidade de Deus, do perigo do inferno e da necessidade de corações quebrantados”.
Quando não somos sérios na apresentação da mensagem divina, damos à impressão para nossos ouvintes que não há nada de proporções eternas sendo dito. Que a eternidade é apenas mais uma piada, mas um gracejo para arrancar risadas. Certa vez, eu estava em uma locadora de vídeo e encontrei um jovem, empolgado com o estilo de um determinado pregador. Ouvindo sua empolgação eu lhe perguntei. “Ele é um bom pregador?”. E sua resposta me causou estranheza. Ele me respondeu: “Isso eu não sei. Só sei que ele é engraçado!”. É esse tipo de ideia que têm matado os seus milhares.
A pregação devido a sua grandiosa importância deveria requerer de nós os pensamentos mais acurados, as mais profundas meditações, os estudos mais diligentes e a mais séria apresentação. Não me entendam mal. Não estou propondo o engessamento da doutrina e nem a calcificação da liturgia. É certo que existe espaço para o humor na pregação, Charles Spurgeon, por exemplo, era um homem bem humorado, mas nunca transformou suas pregações em comédia pastelão ou em espetáculos circenses. O problema é que muitos forçam a barra e acabam se tornando um mero instrumento de entretenimento.
A ironia também pode fazer parte do nosso arsenal, não precisamos deixar essa arma apenas com os inimigos. Certamente haverá ocasiões que precisaremos usá-la. Essa arma foi muito bem utilizada por Calvino, ele recorreu à ironia ao referir-se à alguns membros de sua congregação:
“Há alguns fofoqueiros e maledicentes que achariam o que dizer até contra o anjo do paraíso”.
Em suas polêmicas com a igreja romana ele sempre usava palavras duras, não obstante, carregadas de ironia. Ao referir-se aos bispos da igreja católica ele os chamou de: “vermes do clero” e “bestas de chifre”.
Em relação à “sucessão apostólica” defendida pelos romanistas, Calvino disse: “Se acreditarmos no que dizem, todos são descendentes diretos dos apóstolos! Porém, temos de examinar que semelhança há entre eles. Se Deus autorizou o chamado deles, então devem dar um testemunho claro e infalível deste fato. No entanto, o papa e todos os seus seguidores são culpados de falsificar e corromper todo o ensinamento do evangelho. O que eles chamam de servir a Deus não passa de abominação aos olhos dEle. O sistema inteiro é construído sobre mentiras e fraudes grosseiras, pois eles foram enfeitiçados pelo próprio Satanás, como a maioria de nós já sabe (...) se o papa de Roma reivindica a primazia por ser ele o sucessor de Pedro, então que a exerça também sobre os judeus. Paulo, aqui, se declara o principal apóstolo dos gentios; no entanto eles negam que ele tenha sido bispo de Roma. Portanto, se o papa deve tomar posse de sua primazia, então que convoque as igrejas dos judeus”.
Outra característica marcante em Calvino era a sua espiritualidade e fervor. Ele declarou: “Duas coisas estão unidas, ensino e oração”. Ele dedicava-se diariamente ao estudo das Santas Escrituras e a oração fervorosa. Apesar de sua seriedade, ele não era apático. Não apresentava a mensagem divina de modo frio, mas sua pregação era vívida, real, cativante, assombrosa e ás vezes chocante. Ele possuía a amabilidade de um pastor e a ousadia de um profeta; podia falar em tom paternal, mas também clamar com intenso fervor profético. Calvino entendia que:
 “Com a oração encontramos e desenterramos os tesouros que se mostram e descobrem à nossa fé pelo Evangelho”; por isso “todo crente deve ter o desejo fervoroso de contar com Deus em cada momento de sua vida”.
A vida de Calvino foi marcada por essas duas coisas. Apego à Palavra de Deus e oração sincera
Esse é o segredo do sucesso de nossos ministérios. Oração e ensino. Eloquência e poder, luz na mente e fogo no coração, oração em secreto e proclamação pública. Spurgeon perguntou “Que espécie de homem deve ser o ministro de Deus?” E ele mesmo responde: “Deve trovejar na pregação e brilhar nas conversas. Deve ser flamejante na oração, resplandecente na vida e fervoroso no espírito”. O problema é que o homem tem a tendência de ir para os extremos. Em Atos dos apóstolos no capítulo 6 e versículo 4 assim está escrito: “Mas nós perseveraremos na oração e no ministério da palavra”. (grifos do autor).  Uns oram, mas não estudam, outros são gigantes no estudo, mas pigmeus na oração. Então, essas duas coisas que deveriam ser inseparáveis, são colocadas por estes como sendo antagônicos, eternos inimigos, irreconciliáveis. Uns dizem que estudar é pura carnalidade, que o que importa é orar. Em contrapartida, outros estudam e pensam erroneamente que o estudo substitui a oração. Não tem jeito, necessitamos das duas coisas. Assim como o pão cotidiano e a água, a oração e a palavra são inseparáveis.
 Concordo com o que John Piper escreveu: “Somos chamados ao ministério da palavra e da oração, porque sem oração o Deus de nossos estudos será o Deus que não assusta, que não inspira, oriundo de uma prática acadêmica ardilosa”. Hernandes Dias Lopes, um dos maiores pregadores dessa nação escreveu: “O sermão deve ser preparado através do estudo profundo das Escrituras, molhado em lágrimas, em espírito de oração e entregue no poder do Espírito Santo para a glória de Deus”.
Conforme escreveu John Murray: “Calvino era o intérprete da Reforma e se encontra na primeira classe dos exegetas bíblicos de todos os tempos”. Charles Spurgeon também expressou sua admiração por esse mensageiro singular da graça: “Nenhum outro homem pôde expressar, conhecer e explicar as Escrituras de forma mais clara do que a forma como Calvino fez”. Até mesmo Jacó Armínio (1560-1609) reconheceu sua grandeza: “Eu exorto os estudantes que depois das Sagradas Escrituras leiam os comentários de Calvino, pois eu lhes digo que ele é incomparável na interpretação da Escritura”.
São pertinentes as palavras de B. B. Warfield;
“Eis o segredo da grandeza de Calvino e a fonte de sua força revelada a nós. Homem algum jamais teve um senso mais profundo de Deus do que ele. Homem algum jamais se rendeu totalmente à direção divina como ele fez”.
O pensamento de Calvino é muito vasto, principalmente no que diz respeito à pregação; seria necessário um texto muito mais longo para tentarmos expor todas as suas marcantes características, mas devido ao espaço, esse estudo fica por aqui. Meu objetivo é estimular o leitor a resgatar essas importantes características aprendidas com o maior pregador da Reforma. Precisamos de pregadores fervorosos e genuinamente espirituais, homens seguros de sua fé, inabaláveis em seus propósitos e fiéis à sua missão. Pregadores que deixem profundas marcas em seus ouvintes e que no fim dediquem toda realização e avanço aquEle que é digno. Que a nota final de nossa vida, trabalho e ministério sejam esta: Soli Deo Glória!
Rikison Moura, V. D. M

Bibliografia Consultada:
MAIA, Hermisten. Fundamentos da Teologia Reformada: Mundo Cristão.
______ Calvino de A a Z: Vida Acadêmica.
LAWSON, Steven. A Arte Expositiva de João Calvino: FIEL
CALVINO, Juan: Institución De La Religión Cristiana, 2 Vols: FELIRE
MOURA, Rikison, Calvino Luz da Reforma, Apostila.
PIPER, John. Supremacia de Deus na Pregação: Shedd Publicações
SPURGEON, Charles. Lições aos meus alunos, vol.1: PES

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