sábado, 16 de agosto de 2014

A FORMAÇÃO DE UM REFORMADOR.

Se Martinho Lutero foi o grande líder da Reforma, João Calvino foi aquele que lhe deu uma firme direção. Se Lutero é o maior tradutor da Reforma, Calvino é o maior dos pregadores e comentaristas, sendo chamado justamente de o príncipe dos expositores. A Reforma Protestante encontrou em Calvino o seu maior sistematizador. João Calvino era um homem além de seu tempo, sua obra é tão abrangente que 500 anos depois ainda é fonte de estudos e pesquisas dos autores mais renomados. Calvino era um homem tão brilhante que aos 27 anos de idade escreveu a sua obra magna, As institutas da religião cristã, onde ele expõe as quatro verdades básicas do credo: creio em Deus Pai, creio em Deus Filho, creio em Deus Espírito Santo, creio na Igreja. Essa obra é um verdadeiro marco da Igreja Protestante.
Mas, qual foi à formação de Calvino? Como foram os anos que antecederam ao seu chamado e como ele teve contato com as verdades reformadas?  É o que nós veremos nesse estudo.


1.      SUA INFÂNCIA E FORMAÇÃO.
João Calvino nasceu no dia 10 de Julho de 1509, em Noyon, França. Filho de Gérard Cauvin e Jeanne Lefranc. Sua mãe morreu quando Calvino tinha entre 5 ou 6 anos de idade. Seu pai era administrador financeiro do bispo católico da diocese de Noyon. Desde cedo, o pequeno Calvino recebeu uma orientação católica. O sonho de seu pai era que Calvino um dia ingressasse no sacerdócio da Igreja Católica Romana. Quando Calvino tinha 11 anos, Gérard usou sua influência para conseguir uma capelania para o filho na catedral de Noyon. Então, aos 14 anos, ele entrou na Universidade de Paris para estudar teologia em preparação formal para tornar-se sacerdote. Aos 17 anos Calvino graduou-se como mestre em Ciências Humanas, desenvolvendo-se com uma instrução sólida nos fundamentos da educação clássica, incluindo latim, lógica e filosofia.
Além da graduação pela Universidade de Paris, Gérard tentou usar novamente sua influência para conseguir mais duas colocações para Calvino na igreja católica. Mas, um desentendimento com o bispo de Noyon, levou Gérard a redirecionar Calvino para o estudo do direito na Universidade de Orléans (1528), sob a influência do conceituado jurista Pierre L’Ètoile, cognominado o rei da jurisprudência e príncipe dos juristas. João Calvino tornou-se bacharel em direito em 14 de fevereiro de 1531. Durante o tempo que passou em Orléans e mais tarde, na Universidade de Bourges, Calvino aprendeu grego e estudou o poder do pensamento analítico e da argumentação persuasiva, habilidades que mais tarde usaria em seu púlpito em Genebra.
Quando Gérard morreu em 1531, Calvino ficou livre da influência dominadora do pai. Ele tinha 21 anos e mudou-se para Paris. Mais tarde, retornou a Bourges, onde completou seus estudos em direito e recebeu o título de doutor (1532). No mesmo ano, Calvino publicou o seu primeiro livro, um comentário sobre a obra De Clementia, do filósofo romano Sêneca.

2.      Á SEMELHANÇA DE PAULO... UMA CONVERSÃO REPENTINA.
A conversão de Calvino é cercada de mistérios, ninguém sabe ao certo quando ela sucedeu. Alguns acreditam que o primo de Calvino, Olivétan, teve uma importante participação na sua conversão. As datas não são muito precisas, acredita-se que ela ocorreu entre 1532 e 1534. Depois que o evangelho lhe foi apresentado, lhe sobreveio uma forte inquietação com o seu estilo de vida, e uma profunda convicção de seus pecados o levou a buscar alívio na graça e misericórdia de Deus. Em 1539 ele escreveu:
“Contrariado com a novidade, eu ouvia com muita má vontade e, no início, confesso, resisti com energia e irritação; porque (tal é a firmeza ou o descaramento com os quais é natural aos homens resistir no caminho que outrora tomaram) foi com maior dificuldade que fui induzido a confessar que, por toda a minha vida, eu estivera na ignorância e no erro”.
Semelhantemente ao apóstolo Paulo, logo que a graça de Deus lhe alcançou, ele deixou tudo para servir ao Senhor incondicionalmente. Após sua conversão ele mudou completamente o objeto de sua lealdade, abandonando a igreja católica romana, à fim de abraçar à crescente causa Protestante.
Na introdução do seu comentário de Salmos, em 1557, Calvino diz:
“Inicialmente, visto eu me achar tão obstinadamente devotado ás superstições do papado, para que pudesse desvencilhar-me com facilidade de tão profundo abismo de lama, Deus, por um ato súbito de conversão, subjugou e trouxe minha mente a uma disposição suscetível, a qual era mais empedernida em tais matérias do que se poderia esperar de mim naquele primeiro período de minha vida”.
Schaff observa a conversão de Calvino: “foi uma transformação do Romanismo para o Protestantismo, da superstição papal para a fé evangélica, do tradicionalismo escolástico para a simplicidade bíblica”.

3.      UMA NOVA PERSPECTIVA.
Logo após sua conversão as forças malignas começaram à movimentar-se e Calvino começou a sofrer perseguição. Em Novembro de 1553, Nicolás Cop, reitor da Universidade de Paris e amigo de Calvino, fez o discurso de abertura do novo período letivo. Neste discurso, Nicolás Cop, fez um apaixonado apelo por uma reforma baseada no Novo Testamento, e um ataque corajoso aos teólogos daqueles dias. Contudo, Cop sofreu forte oposição por causa de suas ideias semelhantes ás de Martinho Lutero. Acredita-se que o discurso de Cop foi escrito por Calvino, que teve que fugir de Paris, pela janela, no meio da noite, usando um lençol como corda. Ele escapou disfarçado de vinhateiro, com uma enxada no ombro.
Fugindo da maligna oposição, Calvino achou abrigo na propriedade rural de Louis du Tillet, um rico proprietário de terras que era solidário aos ideais da Reforma. Neste lugar, ao qual Calvino o descrevia como “ninho tranquilo”, ele teve a oportunidade de passar produtivos cinco meses estudando a grande coleção de livros teológicos que Tillet possuía. Neste “ninho tranquilo”, ele leu a Bíblia juntamente com os escritos dos Pais da Igreja; principalmente os de Agostinho de Hipona. Através de muito labor, Calvino estava se tornando um grande teólogo autodidata. 
Quando as verdades reformadas criaram profundas raízes na alma de Calvino, e a verdade das Escrituras lhe iluminaram a mente, ele logo renunciou o salário que recebia da igreja católica desde a infância, pelo seu suposto pastorado em Noyon. Ele não queria mais nenhuma associação com a igreja romana; ele agora tinha uma nova perspectiva; perspectiva essa que lhe custaria muito caro, mas que seria gloriosa.

4.      EM GENEBRA COM FAREL.
Calvino desejava ir para a Alemanha, com a intenção de encontrar um lugar tranquilo para escrever e estudar, mas Deus traçou uma rota diferente para o jovem Calvino. Enquanto ele viajava para Estrasburgo, providencialmente ele mudou de rota. Isso por que uma guerra entre Charles V, o sacro imperador romano, e Francis I resultou em movimentos de tropas que bloquearam a estrada para Estrasburgo. Calvino, então, precisou fazer uma volta por Genebra. Ele pretendia passar somente uma noite lá, mas foi reconhecido por Guilherme Farel, pioneiro do Protestantismo na Suíça, conhecido como o “Elias da Reforma da França”.
Farel pregava de modo apaixonado e destemido as doutrinas da Reforma Protestante. Ele era um polemista por natureza. Seus sermões eram ataques violentos contra as práticas pecaminosas em que a cidade estava entregue e contra o “anticristo romano”.
Esta estranha providência foi um dos fatos mais importantes da Reforma. Pois, Farel tentou convencê-lo a ficar naquela cidade. A intenção de Farel era que Calvino o ajudasse a organizar a recente comunidade reformada que havia se estabelecido ali. Calvino, a princípio, quis fugir dessa responsabilidade, dizendo que era jovem demais e que não tinha experiência, que o seu real desejo era retirar-se para um lugar tranquilo para estudar. Como as súplicas não surtiram efeito, então Farel apelou para à ameaça. Conforme relatou o próprio Calvino:
“Farel que inflamava-se com um zelo extraordinário, imediatamente empregou todas as suas forças para me convencer a ficar naquele lugar. E depois que descobriu que o desejo do meu coração era dedicar-me aos estudos particulares, razão pela qual queria me manter livre de outras ocupações, e percebendo que nada conseguiria com súplicas, ele prosseguiu falando de uma maldição que Deus lançaria sobre o meu isolamento e a tranquilidade dos estudos que eu buscava, caso me recusasse a prestar auxílio quando a necessidade era tão urgente. Fiquei tão assustado com esta maldição que desisti da viagem que intencionava fazer”.
Respondendo ao desafio de Farel­­­: “Ao contrário do teu pretexto de que tens que estudar, digo-te que a maldição divina pesará sobre tua cabeça se te negares a ajudar nesta obra santa quando pensas mais em ti mesmo do que no Senhor Jesus Cristo”. O jovem teólogo concordou em ficar, reconhecendo que essa era a vontade de Deus para a sua vida. Calvino e Farel tornaram-se grandes amigos; nesta época Calvino tinha vinte e seis anos e Farel quarenta e sete. Em relação a essa amizade Calvino declarou: “Tínhamos um coração e uma alma”. Em Genebra, Calvino foi nomeado professor das Sagradas Escrituras, e, quatro meses depois, pastor da catedral de Saint Pierre.

5.      BANIDO PARA ESTRASBURGO.
Em Genebra Calvino procurou implantar novas mudanças. Ele e Farel redigiram uma confissão de fé e um juramento, Calvino instituiu uma série de sermões doutrinários na tentativa de fortalecer as pessoas nas Sagradas Escrituras, mas o seu zelo pela Santa Ceia do Senhor foi motivo de grande discórdia. Isto porque Calvino não aceitava que pessoas que viviam de modo desordenado, mergulhadas na prática do pecado participassem da Ceia. Os cidadãos genebrinos não viram com bons olhos essas novas mudanças efetuadas por Calvino e Farel.
O primeiro obstáculo que eles enfrentaram foi o fato de não serem cidadãos genebrinos. Eles não tinham nenhuma autoridade política, então as pessoas disseram: “O que esses dois forasteiros querem? Quem eles pensam que são para impor sobre nós suas normas e leis?”.
Alister McGrath captou essa verdade ao escrever: “Calvino não era um ditador em Genebra, governando o povo com mão de ferro. Ele nem sequer era cidadão de Genebra, e por isso não tinha o direito de exercer autoridade política. Sua posição social era simplesmente a de um pastor que não estava em condição de dar ordens ás autoridades que administravam a cidade... A influência de Calvino sobre Genebra procedia não de sua reputação legal (a qual era insignificante), mas de sua considerável autoridade pessoal como pregador e pastor”.
Como não tinha influência política, Calvino não foi bem sucedido em tentar tornar Genebra em uma sociedade modelo. Em fevereiro de 1538 os liberais obtiveram maioria no Conselho Municipal e o novo Conselho tentou estabelecer uma forma mais moderada de Protestantismo, admitindo à Ceia pessoas cujas vidas estavam em completa contradição com a fé evangélica. Calvino recusou-se a reconhecer a autoridade do Conselho e o denunciou como sendo do diabo.
Em 12 de março, o Conselho proibiu os ministros de se meterem na política, e a partir daí os pregadores foram tratados com terrível desprezo. Os inimigos da verdade aproveitaram a oportunidade para humilhar e menosprezar os pregadores e zombar do evangelho de Cristo. Eles saíram pelas ruas, mascarados, parodiando cenas do evangelho, embalados por danças e canções imorais, e em atitudes abertas de escárnio paravam nas portas dos pregadores.
Apoiados pelo Conselho Municipal, os liberais ganhavam cada vez mais força, porém, os reformadores juntamente com outros pastores se recusavam a obedecer ao Conselho; em represália, o Conselho proibiu que os ministros pregassem. Contrariando essa decisão, no domingo de páscoa eles pregaram a grandes auditórios, Farel na igreja de S. Gervásio e Calvino na igreja de S. Pedro, recusando-se, porém, a celebrar a Ceia, alegando para isso o estado espiritual dos comungantes. Muitos ficaram enfurecidos e grande foi o alvoroço.
Os liberais eram abertamente imorais e orgulhavam-se disso. Eles deturpavam o evangelho de Cristo, afirmando que a “comunhão dos santos” significava que o seu corpo deveria ser unido ao corpo da esposa de outros. Eles praticavam adultério e imoralidade sexual abertamente e ainda assim desejavam participar da Ceia do Senhor. Entretanto, Calvino não aceitava isso.
Numa batalha épica, Philibert Berthelier, um eminente Libertino, que havia sido excomungado por causa de sua imoralidade sexual e consequentemente sendo proibido de participar da Santa Ceia, conseguiu por meio da influência traiçoeira dos libertinos, fazer com que o Conselho Municipal anulasse a decisão da igreja, e Berthelier e seus aliados armados com espadas foram à igreja a fim de participar da Ceia do Senhor. Armados com espadas e dispostos a derramar sangue, os libertinos entraram na igreja. Calvino cheio de coragem desceu do púlpito e colocou-se na frente da mesa onde se dispunham os elementos da Ceia e disse:
 “Vocês podem esmagar estas mãos, podem cortar fora estes braços, podem tirar minha vida, meu sangue é de vocês, podem derramá-lo, mas jamais me forçarão a dar as coisas sagradas ao profano e desonrar a mesa de meu Deus”. Berthelier e os libertinos se retiraram, eles não estavam à altura da grandeza de Calvino!
Em abril de 1538 os reformadores foram expulsos de Genebra. A recusa de Calvino em ministrar a Ceia para pessoas abertamente em pecado, foi um dos pivôs de sua expulsão. As pessoas se sentiam incomodas com a pregação séria de Calvino. Eles pensavam que podiam moldá-los à um molde mais suave. Que Calvino e Farel participariam de seus pecados, mas como eles não foram condescendentes com o erro, os expulsaram da igreja e da cidade.

6.      O EXÍLIO EM ESTRASBURGO.
Após ser expulso de Genebra, Calvino foi exilado para Estrasburgo, cidade alemã, que ele tinha a intenção de ir para estudar e escrever. O seu “insucesso” em Genebra não o desanimou, e logo ele encontrou forças e ânimo para continuar o seu ministério. Por três anos (1538-1541), Calvino pastoreou uma congregação protestante de quinhentos refugiados de fala francesa naquela cidade. Ele ensinou o Novo Testamento no instituto teológico local, escreveu seu primeiro comentário bíblico (Romanos), e publicou a segunda edição das Institutas da religião Cristã.
Os três anos que ficou no exílio lhe foram muito proveitosos. Calvino fez amizade com Melanchthon (1497-1560), reformador alemão que sucedeu Lutero como o maior teólogo do luteranismo. Melanchthon foi uma das mentes mais brilhantes da Reforma, sua obra Loci Communes [Tópicos gerais] foi o primeiro tratamento sistemático da teologia luterana. Em sinal de respeito, Melanchthon referia-se a Calvino simplesmente como: “o teólogo”. Calvino também conquistou a estima de Martinho Lutero, grande reformador alemão. Também fez amizade com o teólogo Martim Bucer (1941-1551), com quem Calvino aprendeu muitas coisas valiosas, pois Bucer havia organizado institutos para os pastores, introduzido nas igrejas uma disciplina rigorosa, orientado obras de caridade, colocando na igreja uma liturgia simples, adaptando o cântico congregacional e procurado levar os governos civil e religioso a uma cooperação mútua. Calvino ficou bastante impressionado com a organização e as ideias de Bucer, a ponto de coloca-las em prática em sua congregação em Estrasburgo.
Foi durante aqueles anos em Estrasburgo, que Calvino casou-se em 1540 com Idelette de Bure, uma viúva anabatista que tinha um filho e uma filha de seu primeiro casamento. Calvino viveu dias doces com Idelette, mas também dias pesarosos. Idelette teve um aborto, perdeu uma filha durante o nascimento, deu à luz um filho que morreu duas semanas depois. Esses acontecimentos trouxeram muita dor ao coração de Calvino. Porém, mais tarde Calvino escreveu: “Certamente o Senhor nos infligiu uma dolorosa ferida com a morte de nosso filho. Mas Ele próprio é pai e sabe o que é bom para seus filhos”. Em 1549, aos 40 anos de idade, Idelette morreu de tuberculose, e Calvino nunca se casou novamente.

7.      RETORNANDO PARA GENEBRA. 
Sem Calvino em Genebra as coisas se tornaram intoleráveis. O povo estava entregue ao pecado e a imoralidade. Os novos pastores que substituíram Calvino e Farel eram frouxos demais para enfrentar o Conselho Municipal e os liberais. Aproveitando-se dessa situação, os católicos romanos como serpentes sorrateiras, tentaram trazer o povo de volta ao papismo. O cardeal Sadoleto escreveu uma carta aos cidadãos de Genebra na qual procurou mostrar a superioridade do Catolicismo sobre o Protestantismo e que culpava os reformadores pela situação que a cidade se achava. Finalizou a carta apelando ao governo e ao povo a retornarem a velha fé. Os novos ministros se acharam incapazes de responderem a insinuante carta do cardeal, então, fizeram um apelo à Calvino para que ele respondesse à altura. No espaço de seis dias, Calvino respondeu ao cardeal com tal clareza e paixão, que o cardeal ficou sem argumentos para fazer uma tréplica.
Os líderes daquela cidade pediram que Calvino retornasse a Genebra, ele hesitou, dizendo que não havia localidade que o aterrorizasse tanto como Genebra; após dez meses de hesitação, ele finalmente aceitou o convite, sabendo que muita hostilidade o aguardava por lá!
Calvino entrou mais uma vez na cidade de Genebra no dia 13 de setembro de 1541, e não mais sairia. O reformador que era um exímio expositor da Bíblia retornou ao texto que eles haviam parado três anos antes. Calvino tornou-se o maior expositor bíblico da Reforma. Nos seus dias em Genebra o caráter da cidade foi completamente transformado. Antes dele a cidade era uma das mais frívolas e devassas da Europa, depois dele tornou-se o berço do Puritanismo. Segundo os historiadores, as danças passaram a serem coisas desconhecidas; as prostitutas foram expulsas; as tabernas e o teatro estavam sempre ás moscas, ao passo que as igrejas e os salões de conferências se enchiam até a porta.
Não foi Genebra que tornou Calvino ilustre, mas foi Calvino que colocou Genebra no mapa. Como já vimos, a sua grandeza não vinha de sua posição política, mas sim do seu compromisso com a Palavra de Deus. Ele era um homem da Bíblia. Ele viveu para pregá-la, ele respirava as Escrituras.
Deus em Sua soberania traçou uma história totalmente contrária à vontade de Calvino. Ele que queria uma vida tranquila e calma a fim de dedicar-se aos estudos, não conseguiu encontrar essa tranquilidade em Genebra. Pelo contrário, em Genebra ele foi moldado por Deus no fogo da perseguição e na bigorna da dificuldade. Genebra foi um campo de batalha, uma guerra contra as forças do mal. Genebra tornou-se uma fortaleza Protestante. Um estandarte da Reforma. Um farol para a Europa.
Calvino nunca conseguiu viver em quietude em Genebra, pois os seus inimigos nunca desistiram de perturbá-lo. Philip Schaff escreveu:
“Os adversários de Calvino eram, com poucas exceções, os mesmos que o haviam expulsado em 1538. Eles nunca consentiram cordialmente com a sua chamada de volta. Por um tempo, aqueles homens cederam à pressão da opinião pública e à necessidade política, mas quando Calvino efetuou o esquema de disciplina com muito mais rigor do que esperavam, eles revelaram sua velha hostilidade, e tiraram vantagem de cada ato censurável do Consistório ou do Conselho. Eles o odiavam mais do que ao papa. Detestavam a própria palavra “disciplina”. Recorriam ás injúrias pessoais e a cada artifício de intimidação que conheciam; apelidavam-no de Caim e davam seu nome aos cães da rua; insultavam-no durante o percurso que fazia até o lugar onde lecionava; certa noite dispararam cinquenta tiros diante do seu quarto; eles o ameaçavam no púlpito; uma vez, aproximaram-se da mesa da ceia do Senhor a fim arrancar o pão e o vinho das suas mãos, mas ele se recusou a profanar o sacramento e os enfrentou. Em outra ocasião, Calvino entrou no meio de uma multidão irritada e ofereceu o peito aos punhais deles. Em 15 de outubro de 1554, ele escreveu para um velho amigo: “De todos os lados cães latem para mim. Em toda parte sou saudado com o nome de ‘herege’, e todas as calúnias que podem ser inventadas são amontoadas sobre mim. Numa palavra, os inimigos dentre o meu próprio rebanho atacam-me com maior crueldade do que meus inimigos declarados dentre os papistas”.
Calvino, falando das diversas calúnias que levantavam contra ele, muitas delas, partindo, inclusive, de falsos irmãos, diz:
“Só porque afirmo e mantenho que o mundo é dirigido e governado pela secreta providência de Deus, uma multidão de homens presunçosos se ergue contra mim alegando que apresento Deus como sendo o autor do pecado. [..] Outros tudo fazem para destruir o eterno propósito divino da predestinação, pelo qual Deus distingue entre os réprobos e os eleitos”.
Charles Spurgeon referindo-se as tantas lutas que Calvino enfrentou, confessou: “Eu amo aquele homem de Deus, que sofreu a vida toda, e suportou não só perseguições de fora, mas uma confusão de tumultos que vinham de dentro da própria igreja, não deixando ainda assim de servir seu Mestre de todo o coração”.
Calvino nunca permitiu que as dificuldades lhe impedissem de continuar o seu trabalho na seara do Mestre. Ele era incansável na obra. Mesmo quando estava doente, ele era carregado por seus amigos para à igreja, para que lhes pregassem a Palavra de Deus. Seu último sermão foi no dia 6 de fevereiro de 1564, nesta ocasião falou sobre a harmonia dos Evangelhos, mas foi impedido de terminar o sermão, pois a tosse e o sangue que subia pela sua boca o impediram. Talvez, as muitas lutas e sua saúde que nunca fora robusta o levaram a morte aos 54 anos. No dia 27 de maio de 1564, Calvino partiu para estar com o Senhor. Ele morreu nos braços de Theodore Beza, seu sucessor. Relembrando a vida de Calvino, Beza escreveu:
 “Por ter sido um espectador de sua conduta durante dezesseis anos, tenho dado fiéis informações sobre sua vida e morte, e posso declarar que nele todos os homens podem ver o mais belo exemplo de caráter cristão, um exemplo que é tão fácil de caluniar quanto difícil de imitar”. E ainda: “Ele viveu cinquenta e quatro anos, dez meses, e dezessete dias e dedicou metade de sua vida ao sagrado ministério. Ele tinha estatura mediana; a aparência sombria e pálida; os olhos eram brilhantes até mesmo na morte, expressando a agudez da sua compreensão”.
Após a morte de Calvino, Beza escreveu: “Agora que Calvino morreu, a vida será menos doce e a morte menos amarga”.
O seu profundo teocentrismo era algo apaixonante. O zelo que ele tinha pela glória de Deus o levou a escrever em seu último testamento: “Sempre apresentei com fidelidade aquilo que considerava ser para a glória de Deus”.
John Piper escreveu: “Acho que um lema que poderia caracterizar toda a vida e todo o trabalho de João Calvino seria o seguinte: Zelo em demonstrar a glória de Deus. O sentido essencial da vida e da pregação de João Calvino é que ele recuperou uma paixão pela absoluta realidade e majestade de Deus”.
Durante vinte e três anos, Calvino pregou incansavelmente em seu púlpito em Genebra. Multidões ficavam admiradas com o talento, a graça e a autoridade desse pregador. Mas, o que marcou a pregação de Calvino? O que o tornou superior aos seus contemporâneos? O que tornava a sua pregação tão singular? Vamos conferir essas e outras questões no próximo estudo... aguardem!

Rikison Moura, V. D. M

Obras consultadas: Steven Lawson, A arte expositiva de João Calvino, FIEL
Hermisten Costa, Calvino de A a Z, Vida Acadêmica
Rikison Moura, apostila: Calvino, luz da Reforma.

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