sábado, 23 de janeiro de 2016

TEÓLOGOS NA BUSCA DE UMA CORRETA COMPREENSÃO DE ATOS 19.1-7

A discursão desse texto gira em torno da seguinte questão: Paulo rebatizou os discípulos que conheciam apenas o batismo de João? Muitos teólogos têm tentado buscar uma interpretação correta desse texto. Aqui passo a transcrever alguns posicionamentos de renomados teólogos e comentaristas:
O comentarista bíblico, Warren W. Wiersbe escreveu o seguinte:
“Paulo sentiu que esses homens não tinham o testemunho do Espírito em sua vida e que, portanto, não eram convertidos. Por certo, o apóstolo não discutiria a plenitude do Espírito com não salvos! (...) Paulo explicou-lhes que o batismo de João era um batismo de arrependimento que olhava para o futuro, para a vinda do Messias prometido, enquanto o batismo cristão era um batismo que olhava para o passado, para a obra consumada de Cristo na cruz e para sua ressurreição vitoriosa. O batismo de João estava do “outro lado” do Calvário e de Pentecostes. Foi correto em seu devido tempo, mas esse tempo havia terminado”. [1]

Ainda segundo Wiersbe, “ele [Paulo] os batizou, pois, seu primeiro batismo não foi, verdadeiramente, um batismo cristão”. [2]
O comentarista, I. Howard Marshall também é da opinião de que o batismo de João não é batismo cristão. Assim ele se expressa: “Esta é a única ocasião registrada no Novo Testamento em que pessoas receberam um segundo batismo, e ocorreu porque o batismo anterior não era batismo cristão em nome de Jesus”. [3]
O teólogo reformado, F. Turrentini, possui opinião diferente, para ele:
“Atos 19.4,5 não prova que os discípulos efésios, que haviam recebido o batismo de João, foram rebatizados por Paulo. Pois, as palavras “quando ouviram isto, foram batizados” (akousantes de ebaptisthesan, v. 5) não são palavras de Lucas narrando o que lhes seguiu ao discurso de Paulo, mas antes uma confirmação do discurso paulino aos efésios, pelo qual ele ensina que os que haviam recebido o batismo de João Batista foram batizados no nome de Cristo e, assim, não tinham necessidade de um novo batismo. E, assim, Paulo é apresentado dizendo: “João realizou o batismo de arrependimento, dizendo ao povo que cresse naquele que viria depois dele [akousantes de para hoi de akousantes], a saber, Jesus. Eles tendo ouvido isto, foram batizados em o nome do Senhor Jesus” (a saber, por João mesmo). Portanto, este discurso de Paulo instruía àqueles a quem ele é dirigido acerca do batismo que haviam recebido, enquanto de modo nenhum ensina que foram rebatizados”. [4]
O reformador João Calvino, célebre intérprete da Escritura, assim se expressa:
“Eu, porém, concedo que aquele batismo de João era verdadeiro, e que era uno e o mesmo que o batismo de Cristo; mas nego que tenham sido rebatizados. Que querem, então, dizer estas palavras: foram batizados em nome de Jesus? Alguns interpretam assim: que somente foram instruídos por Paulo na verdadeira doutrina. Eu preferiria entende-lo de uma forma mais simples, isto é, que as graças visíveis do Espírito foram concedidas pela imposição de mãos. Não é novidade que essas graças recebam o nome de batismo. Assim, no dia de Pentecostes, diz-se que os apóstolos se lembraram das palavras do Senhor sobre o batismo de fogo e do Espírito (At 1.5). E Pedro menciona que as mesmas palavras lhe vieram à memória, quando viu essas graças derramadas sobre Cornélio e sua família (At 11.16). E não se opõe a isto o que vem em seguida: que, quando lhes impôs as mãos, o Espírito Santo desceu sobre eles. Pois Lucas, não se refere a duas coisas diferentes, mas continua sua narração na forma familiar aos hebreus, que primeiro propõem um resumo do assunto e depois o expõem mais amplamente. Qualquer um pode perceber isso pelo próprio contexto das palavras. Pois diz que, ouvidas estas coisas, foram batizados em nome de Jesus; e que, quando Paulo lhes impôs as mãos, o Espírito Santo desceu sobre eles. Nesta última expressão se descreve que tipo de batismo foi aquele. Porque, se a ignorância manchasse o primeiro batismo, e este tivesse de ser corrigido por outro, os apóstolos teriam de ser os primeiros a ser rebatizados, porque em três anos inteiros depois de seu batismo apenas haviam provado uma mínima parte da verdadeira doutrina. E, entre nós, que rios bastariam para repetir tantos batismos quanta é a ignorância, que pela misericórdia do Senhor se corrige a cada dia?”. [5]
Em outra parte, Calvino fala de modo mais claro a respeito do batismo de João Batista. Ele diz:
“E assim João batizou primeiro, e em seguida os apóstolos, com o batismo de penitência para a remissão dos pecados; entendendo com o termo “penitência” a regeneração, e com “remissão de pecados”, a ablução (Mt 3.6-11; Lc 3.16; Jo 3.23; 4.1).
Por isso, é certíssimo que o ministério de João foi exatamente o mesmo que o que depois se delegou aos apóstolos. Pois as diferentes mãos que administram o batismo não o fazem diferente; mas a mesma doutrina demonstra que é o mesmo batismo. João e os apóstolos estavam de acordo na mesma doutrina. Um e outros batizaram para a penitência; um e outros batizaram para a remissão dos pecados; um e outros batizaram em nome de Cristo, de quem procediam a penitência e a remissão dos pecados. João disse que Cristo era o cordeiro pelo qual se tiravam o pecado do mundo (Jo 1.29), quando o mostrou como sacrifício aceito pelo Pai, a propiciação de justiça e o autor da salvação. Que os apóstolos poderiam acrescentar a esta confissão?
Por esta razão, que ninguém se perturbe pelo fato de que os antigos escritores estabeleceram diferença entre um batismo e outro; ademais, o parecer deles não deve ter para nós tanto valor que abale a certeza da Escritura. Pois quem pode dar mais crédito a Crisóstomo, que nega que a remissão dos pecados estivesse compreendida no batismo de João, que a Lucas, que afirma o contrário: que João pregou o batismo de penitência e remissão dos pecados (Lc 3.3)? Tampouco se pode admitir a argúcia de Agostinho, que os pecados foram perdoados pelo batismo de João na esperança, e pelo batismo de Cristo na realidade. Pois, como o evangelista claramente atesta que João prometeu em seu batismo a remissão dos pecados, para que privá-lo desse título, quando nenhuma necessidade obriga a isso? Mas, se alguém procurar na Palavra de Deus uma diferença entre o batismo de um e de outro, não encontrará senão que João batizava em nome daquele que haveria de vir; e os apóstolos, no daquele que já havia vindo (Lc 3.16; At 19.4) ”. [6]
Não é à toa que o Concílio de Trento, também chamado de “contrarreforma”, posiciona-se contra os reformadores declarando: “Se alguém disser que o batismo de João Batista e o de Cristo possuíam a mesma virtude, seja anátema”.
Algumas considerações finais:
1. Jesus Cristo perguntou aos principais sacerdotes e anciãos do povo: o batismo de João era do céu ou dos homens? (Mt 21.25; Lc 20.4). Os inimigos de Cristo não quiseram responder, mas vejamos o que o próprio João Batista declara: “Eu não o conhecia; aquele, porém, que me enviou a batizar com água me disse: Aquele sobre quem vires descer e pousar o Espírito, esse é o que batiza com o Espírito” (Jo 1.33). João declara que foi o próprio Deus quem o enviou a batizar, ou seja, o batismo de João foi instituído por Deus.
2. O elemento externo do batismo de João e dos apóstolos era o mesmo, a saber: a água.
3. Para Turrentini, “os efeitos do batismo de João Batista eram os mesmos do batismo de Cristo, (a saber, arrependimento Mc 1.4; At 2.38; remissão de pecados Lc 3.3; At 22.16; fé em Cristo At 19.4; Mc 16.15,16; o Espírito Santo com seus dons ordinários At 18.25; 2.38,39; separação dos incrédulos Mt 3.6,7; Lc 3.7; At 2.38,39)”. [7]

4. João Batista é a “dobradiça” dos testamentos, por assim dizer. Ele é o último profeta do Antigo Testamento, e, no entanto, o evangelho principia com o seu ministério (Mc 1. 1-4).

5. Se o batismo de João não é válido, pois segundo alguns, foi preciso Paulo rebatizar aqueles que foram batizados por João, então, por que os outros apóstolos não foram também rebatizados, visto terem sido eles batizados por João?

6. Por que o mesmo Paulo, que segundo alguns rebatizou aqueles discípulos efésios, escreveu aos próprios efésios declarando que só há um batismo (Ef 4.5)?

7. Quando João diz que ele batiza com água, mas que Cristo batizaria com o Espírito Santo, ele não está distinguindo nem depreciando o seu batismo, mas “fazendo uma distinção entre as pessoas na ordem das causas eficientes, e indicam Cristo como principal autor da graça e, João Batista, o ministro por cujo ministério Cristo, na concessão do Espírito, foi graciosamente eficaz, justamente como Paulo distingue o ministério externo dos apóstolos da virtude interna do agente, Deus. “Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento vem de Deus” (1Co 3.6). [8]

8. As diferenças entre o batismo de João e o de Cristo se concentra em circunstâncias, mas na essência era o mesmo. “Confessamos que se deve fazer alguma diferença entre o batismo de João Batista e o de Cristo, porém acidental com respeito às circunstâncias e graus, não substancial e específica com respeito à essência, em razão do modo de exibição e medida de dons, e não em razão da coisa em si mesma”. [9]

Rikison Moura.




[1] Comentário Bíblico Expositivo, vol 5, p. 623.
[2] Idem
[3] Atos, Introdução e Comentário (Vida Nova), p. 289.
[4] Compêndio de Teologia Apologética, vol 3.
[5] Institutas, tomo 2, livro 4 (UNESP), Pp.729,730. 
[6] Idem, p. 721.
[7] Compêndio de Teologia Apologética, vol 3.
[8] Idem.
[9] Idem.

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