sexta-feira, 19 de junho de 2015

ENTREVISTA COM SPURGEON

Boa noite, está no ar mais uma edição do Jornal Reforma Já! E nesta noite nós temos o imenso prazer de receber em nossos estúdios, o “príncipe dos pregadores”, o Rev. Charles Haddon Spurgeon.
1. Spurgeon, o senhor tem pregado com muita convicção as doutrinas da graça, também chamado de Calvinismo. Por favor, defina para nós o que é Calvinismo?
 - Minha opinião pessoal é que não há tal coisa como pregação de Cristo, e este crucificado, a menos que se pregue aquilo que atualmente se chama calvinismo. É apelido chamar isso de calvinismo; pois calvinismo é o evangelho, e nada mais. Não creio que possamos pregar o evangelho... a menos que preguemos a soberania de Deus em sua dispensação da graça e também a menos que exaltemos o amor eletivo imutável, eterno, inalterável e conquistador de Jeová; como também não penso que possamos pregar o evangelho, a menos que o alicercemos sobre a redenção especial e particular do seu povo eleito e escolhido, que Cristo realizou na cruz; e também não posso compreender um evangelho que permite que os santos apostatem, depois de terem sido chamados.

2. Tudo que o senhor acabou de dizer entra em colisão com outro sistema teológico denominado arminianismo. O que os arminianos querem?
- O que os arminianos querem fazer é suscitar a ação humana; o que nós queremos é matá-la de uma vez por todas, para mostrar-lhe que ele está perdido e arruinado... Eles buscam fazer com que o homem se levante; nós procuramos humilhá-lo, e fazê-lo sentir que está nas mãos de Deus, e que se submeta ao próprio Deus e clame audivelmente: “Senhor, salva-nos, ou pereceremos”. Nós sustentamos que o homem nunca está tão próximo da graça, do que quando sente que não pode fazer absolutamente nada. Quando ele diz, “Eu posso orar, posso crer, posso fazer isso e aquilo”, as marcas da auto-suficiência e da arrogância ainda estão no seu rosto.
3. Desde os tempos mais remotos os hereges têm lançado ataques contra a Escritura. Hoje os teólogos liberais atacam de várias formas a Palavra de Deus. Para você esse Livro é inspirado?
- Pelo Espírito Santo, as palavras da Escritura vêem a nós com uma inspiração presente: o Livro não somente foi inspirado, é inspirado. Esse Livro é mais que tinta e papel; ele fala conosco (...) Na Palavra de Deus não há mescla de erro ou pecado. Ela é pura em seu significado; pura em sua linguagem; pura em seu espírito; pura em sua influência; e tudo isso no mais elevado grau e superlativo – puríssima.
4. Apesar de muitos comungarem dessa mesma opinião elevada acerca da Escritura, na prática as coisas não são bem assim. Grande parte dos pastores da América Latina nunca leram a Bíblia toda. Qual a real importância de conhecer esse Livro?
- Na Bíblia temos uma perfeita biblioteca, e quem a estudar completamente, será um erudito melhor do que se tivesse devorado a biblioteca de Alexandria inteira. Compreender a Bíblia deve ser a nossa ambição; devemos estar familiarizados com ela, tão familiarizados como a dona de casa o está com a sua agulha, o comerciante com o seu livro-razão, o marinheiro com o seu navio. Devemos conhecer o seu roteiro geral, o conteúdo de cada livro, as minúcias das suas histórias, doutrinas e preceitos, e tudo que lhe diz respeito.
6. O senhor é conhecido como o “pregador do povo” e o “príncipe dos pregadores”, enfim, a pregação da Palavra o tornou uma figura distinta na História da Igreja. Mas, infelizmente a pregação tem declinado em nossos dias, de fato, vivemos dias escassos de bons pregadores. Por que isso está acontecendo?
- A ignorância da teologia não é rara em nossos púlpitos, e o que causa espanto não é que haja tão poucos oradores capazes de improvisar, e sim que haja tantos, quando são tão raros os teólogos. Jamais teremos grandes pregadores, enquanto não tivermos grandes teólogos.
5. Hoje a tolerância dos cristãos é muito elástica. Por isso não é raro ouvir “cristãos” elogiarem e darem esperança de salvação para àqueles que não professam a fé cristã. Afinal, senhor Spurgeon, qual o verdadeiro caminho para a vida?
- Nossos caminhos são por natureza, opostos ao caminho de Deus, e é preciso que nos deixemos orientar pelo Senhor naquela direção que originalmente seu caminho nos conduzia, do contrário seremos conduzidos à destruição.
6. Vivemos numa era de enormes avanços tecnológicos, e a igreja tem desfrutado desse avanço. Hoje nós temos acesso fácil a bons livros para estudo, e talvez nunca tenham vendido tanto material evangélico como em nossos dias, no entanto, muitos continuam nos rudimentos da fé, mesmo aqueles que possuem enormes bibliotecas. Por que isso acontece?
- Pouco saber e muito orgulho vêm da leitura apressada. É possível empilhar livros no cérebro, até que ele não consegue funcionar. Alguns homens perdem a capacidade de pensar por eliminarem a meditação por amor a demasiada leitura. Empanturram-se do conteúdo de livros, e se tornam dispépticos mentais. Livros em cima do cérebro causam doença. Meta o livro dentro do cérebro, e você crescerá.
7. Falando em livros. O senhor poderia dar algumas dicas a esse respeito?
- Se um homem somente pode adquirir uns poucos livros, o meu primeiro conselho a ele será: compre os melhores. Se não puder gastar muito, gaste bem. Não compre sopa rala; adquira essência de carne. Você precisa de livros modelares exatos, condensados, confiáveis, e deve providenciar para que os tenha (...) A regra que em seguida firmo é domine os seus livros. Leia-os completamente. Banhe-se neles até ficar saturado. Leia-os e releia-os, mastigue-os, e digira-os. Faça que penetrem o íntimo do seu ser. Examine minuciosamente um bom livro várias vezes, e faça anotações e análises dele. 
8. O senhor poderia nos indicar pelo menos um bom comentário bíblico?
- O Comentário de Matthew Henry. Aventuro-me a dizer que nenhum ministro fará investimento melhor do que comprar aquela exposição sem par. Consiga-o, ainda que tenha que vender o casaco para adquiri-lo.
9. Como um homem pode saber que é vocacionado para o ministério?
- A verdadeira piedade é necessária como o primeiro requisito indispensável. Seja qual for a “vocação” que um homem simule possuir, se não foi vocacionado para a santidade, certamente não foi vocacionado para o ministério.
10. O reformador Martinho Lutero dizia que toda a vida dos crentes na terra deveria ser de contínuo arrependimento. Mas hoje em dia pouco é dito acerca do arrependimento. Qual a importância a real importância dessa doutrina?

- Creio que a penitência cheia de pesar ainda existe, apesar de ultimamente não haver ouvido muito dela. Nos nossos dias as pessoas parecem se precipitar rapidamente na fé... Espero que meu velho amigo arrependimento não tenha morrido. Estou desesperadamente enamorado do arrependimento; ele parece ser o irmão gêmeo da fé.

11. Muitos homens destituídos de graça têm ocupado os nossos púlpitos e acabam ensinando aquilo que não vivem ou não experimentam em suas próprias vidas. O que o senhor diria sobre isso?

- Eu diria que é melhor abolir os púlpitos do que enchê-los de homens que não têm conhecimento experimental daquilo que ensinam.  

12. A que você compararia um pastor destituído de graça?
- Um pastor destituído de graça é semelhante a um cego eleito professor de ótica, que faz filosofia sobre a luz e a visão, comentando e distinguindo para outros os belos sombreados e as delicadas combinações das cores prismáticas, enquanto ele mesmo está absolutamente em trevas! É um mudo elevado à uma cátedra de música; um surdo a falar sobre sinfonias e harmonias! Uma toupeira pretendendo criar filhotes de águias; um molusco eleito presidente de anjos!
13. Hoje temos um grande debate sobre os dons espirituais. De um lado os cessacionistas dizem que os dons cessaram, do outro lado os continuístas falam sobre a contemporaneidade dos dons. Deixando o debate de lado, gostaria que nos dissesse qual a importância do Espírito Santo em relação ao ministério cristão?
- Para nós, ministros, o Espírito Santo é absolutamente essencial. Sem Ele o nosso ofício não passa de um nome (...) Se não temos o Espírito que Jesus prometeu, não podemos cumprir a comissão que Jesus no deu.
14. Uma das grandes queixas contra os pregadores reformados nessa era é que lhes falta fervor. Eles pregam as verdades da Palavra, mas parece não haver vida, entusiasmo, poder. O senhor poderia falar um pouco sobre o fervor na pregação?
- Como a igreja, o mundo também sofrerá, se não formos fervorosos. Não podemos esperar que um evangelho vazio de fervor exerça poderoso efeito sobre os inconversos ao nosso redor. Uma das desculpas mais soporíferas para a consciência de uma geração iníqua é a indiferença do pregador. Se o pecador nota que o pregador está meio dormindo enquanto fala do juízo vindouro, conclui que esse juízo é algo sobre que o pregador está sonhando, e resolve considerar isso tudo simples ficção. Todo o mundo exterior é objeto de sério perigo a que o submete o pregador de coração frio, pois ele deduz a mesma conclusão a que chega o pecador individual: persevera em sua negligência, dedica suas energias aos seus bens transitórios, e se considera sábio por agir assim. Como poderia ser de outro modo? Se o profeta deixa para trás o coração quando professa falar em nome de Deus, que poderá esperar, senão que os ímpios ao seu redor fiquem persuadidos de que não há nada na mensagem dele, e que sua comissão evangélica é uma farsa? Ouçam como Whitefield pregava, e nunca mais ousem ser letárgicos (...) Se com o fervor dos metodistas pudermos pregar a doutrina dos puritanos, um grande futuro nos espera. O fogo de Wesley e a lenha de Whitefield causarão um incêndio que queimará as florestas de erro e aquecerão a própria alma desta frígida terra.
15. Spurgeon, queremos agradecer a sua presença, por tão gentilmente ter atendido ao nosso convite. Uma última palavra aos nossos leitores.
 - A vida só é digna quando observamos a Palavra de Deus; aliás, não há vida nenhuma, no mais elevado sentido, senão aquela que associa à santidade – vida que não respeita a lei de Deus não passa de mero vocábulo.
Hoje recebemos o reverendo Charles Spurgeon, aguardem, brevemente estaremos recebendo outros nomes da tradição reformada, aqui no Jornal Reforma Já!
Rikison Moura.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
SPURGEON, Charles, Lições aos meus alunos, vols 1 e 2, PES
SPURGEON, Charles, Salmo 119, Edições Parakletos.

ANGLADA, Paulo, As Antigas Doutrinas da Graça,  

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