quinta-feira, 10 de julho de 2014

A IGREJA E A DISCIPLINA

Os reformadores quando definiam o que era uma igreja verdadeira diziam: “Uma igreja verdadeira é um lugar onde a Palavra de Deus é pregada, os sacramentos são administrados e a disciplina é exercida”. O reformador João Calvino considerava a correta aplicação da disciplina como uma das marcas da Igreja verdadeira. Era tão importante quanto à pregação fiel da Palavra de Deus. Centenas de anos se passaram e aqui estamos nós. Em pleno século XXI. E como a igreja contemporânea tem trabalhado essa questão? Como seres humanos que somos, temos uma grande tendência de descambar para os extremismos. Para as polarizações. Há lugares onde simplesmente a disciplina não existe e há lugares onde a disciplina é arbitrária e abusiva.  Há lugares onde a filosofia é a da paz á qualquer custo, por isso os pecados são jogados pra debaixo do tapete e há lugares onde os motivos mais banais como, por exemplo, jogar futebol ou ir á praia é motivo para disciplina. Como encontrar um equilíbrio? Como não ser excessivamente conivente e nem excessivamente rigoroso?
De inicio precisamos ratificar que a disciplina na igreja é bíblica e necessária. A disciplina é uma questão de obediência ao Senhor e de amor para com o irmão.  No entanto, a disciplina não deve ser exercida de modo arbitrário, ela tem os seus parâmetros, limites e objetivos. E é exatamente nesses pontos que alguns acabam se enrolando. Alguns, mesmo não assumindo abertamente, acham que os líderes estão acima do bem e do mal e que a disciplina é destinada apenas aos liderados e nunca para a liderança. Não sou velho, mais já vivi tempo suficiente para perceber que em muitos lugares as coisas são assim. Já vi igrejas onde os pastores fizeram coisas absurdas e simplesmente empurraram a sujeira para debaixo do tapete. Muitas vezes o que acontece a um líder faltoso é apenas a mudança de uma congregação para a outra, e uma vez que o pecado não foi confrontado e aquela pessoa não foi tratada, ele continuará a sua saga de iniquidade, trazendo inúmeros prejuízos para a obra de Deus.
Infelizmente, muitos líderes totalitários, filhotes da inquisição, usam a disciplina como se fosse uma arma para proteger-se a si mesmos. Se alguém contraria alguma prática, ele usa a disciplina de modo arbitrário, sem critério e nem respaldo, apenas para silenciar aqueles que ele ver como possíveis ameaças ao seu reinado. Mas como deve proceder a igreja de Cristo no exercício da disciplina? Na segunda carta de Paulo aos coríntios há um relato interessante. O apóstolo Paulo tencionava viajar até a Macedônia e de lá ele iria visitar os irmãos em Corinto (1Co 16.5-7). Porém, Paulo mudou seus planos de modo que visitaria Corinto primeiro, a caminho da Macedônia, e outra vez ao voltar (2 Co 1.15,16). Isso foi motivo para discórdia e oposição. Alguns membros da igreja de Corinto não viram com bons olhos a mudança de planos do apóstolo do Senhor. Levantaram contra ele duras e pesadas acusações. Insinuaram que Paulo era um homem inconstante, de meias palavras, que fazia promessas, mas não cumpria. Que não havia integridade em suas palavras (2Co 1.17,18).
O apóstolo Paulo responde aos seus críticos dizendo-lhes porque resolveu mudar seus planos e não voltar a Corinto conforme havia prometido. “Eu, porém, por minha vida, tomo a Deus por testemunha de que, para vos poupar, não tornei ainda a Corinto” (2Co 2.23). Em sua primeira carta ele havia perguntado aos crentes de Corinto: “Que preferis? Irei a vós outros com vara ou com amor e espírito de mansidão?” (1Co 4.21). Depois que Paulo saiu de Corinto para Éfeso, ele retornou a Corinto numa chamada visita dolorosa (2Co 2.1) e também escreveu uma carta dolorosa (2Co 2.4). Paulo está decidido a não voltar nesse contexto de hostilidade. A sua mudança de planos se deu não a um defeito na sua integridade pessoal, mas sim à sua grande preocupação por eles. Em meio à confusão instaurada por esse membro faltoso que havia espalhado boatos maldosos a respeito de Paulo, o veterano apóstolo escreve uma carta severa, não obstante carregada de amor cristão. Ele deseja que a igreja exerça a disciplina sobre o transgressor e trouxesse de volta a pureza para a congregação.
O que é digno de nota é que aqui nós podemos ver qual é o real objetivo da disciplina. A disciplina não visa à vingança pessoal e nem a retaliação. Seu objetivo não é levar o membro faltoso a morte, mas sim a restauração. Paulo declara: “De modo que deveis, pelo contrário, perdoar-lhe e confortá-lo, para que não seja o mesmo consumido por excessiva tristeza. Pelo que vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor” (2Co 2.7,8). A disciplina havia encontrado o seu real objetivo. O membro que havia se insurgido contra Paulo havia se arrependido e agora está triste, contrito, pesaroso por causa do seu pecado. A tristeza excessiva estava lhe consumindo. Após a disciplina a igreja deveria encorajar e consolar esse homem. A igreja deveria acolher esse homem na comunidade e ministrar a ele a abundância do amor. O amor restaura. O amor sara as feridas. O amor fecha as cicatrizes feitas pelo pecado. O amor é bálsamo que traz alívio à consciência. O amor não traz novamente á tona os fracassos do passado. Não lança em rosto os tropeços de outrora. O propósito da disciplina não é a destruição do faltoso, mas a sua restauração. È um ato de amor e não de vingança. João Calvino dizia que: “Toda vez que a punição visar à vingança, ali se manifestará a ira e a maldição de Deus, as quais nunca são dirigidas contra os Seus fiéis. Por outro lado, a disciplina é benção de Deus e um testemunho do Seu amor, como diz a Escritura”.[1]  O mesmo Calvino ainda diz: “Pois embora seja possível que ele nos castigue, todavia não nos rejeita imediatamente, senão que, ao contrário, dessa forma testifica que nossa salvação é o objeto do seu cuidado”.[2]
Deus nos disciplina porque Ele nos ama. Deus nos disciplina porque somos Seus filhos. Deus nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade (Hb 12.6-13). A disciplina visa à restauração do faltoso. È um ato de amor e de misericórdia. É um desejo sincero para que aquele que pisou fora do caminho volte a andar corretamente por ele. Finalizo com as palavras do amado pastor Hernandes Dias Lopes: “Satanás tem duas estratégias. A primeira delas é induzir o homem a pensar que o pecado é inofensivo. A segunda é induzi-lo a crer que não há restauração para os que caíram em suas amarras. Se a igreja deixa de restaurar os que foram feridos e não os perdoa, Satanás alcança vantagem em seu perverso intento”.[3] Não permitamos que o diabo alcance vantagem sobre nós. Disciplinamos sim, mas com amor e misericórdia. Não para a destruição, mas para a restauração e pureza da igreja de acordo com o que a Escritura estabeleceu.
Rikison Moura, V. D. M





[1] Hermisten Costa, Calvino de A a Z, p. 97
[2] Idem,
[3] Hernandes Dias Lopes, 2Coríntios p. 50

Um comentário:

  1. A igreja precisa exercer disciplina de acordo com a Palavra de Deus, a fim de alcançar o real objetivo que é a restauração do membro faltoso.
    Daniele Lima.

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