Os
reformadores quando definiam o que era uma igreja verdadeira diziam: “Uma
igreja verdadeira é um lugar onde a Palavra de Deus é pregada, os sacramentos
são administrados e a disciplina é exercida”. O reformador João Calvino considerava
a correta aplicação da disciplina como uma das marcas da Igreja verdadeira. Era
tão importante quanto à pregação fiel da Palavra de Deus. Centenas de anos se
passaram e aqui estamos nós. Em pleno século XXI. E como a igreja contemporânea
tem trabalhado essa questão? Como seres humanos que somos, temos uma grande
tendência de descambar para os extremismos. Para as polarizações. Há lugares
onde simplesmente a disciplina não existe e há lugares onde a disciplina é
arbitrária e abusiva. Há lugares onde a
filosofia é a da paz á qualquer custo, por isso os pecados são jogados pra
debaixo do tapete e há lugares onde os motivos mais banais como, por exemplo, jogar
futebol ou ir á praia é motivo para disciplina. Como encontrar um equilíbrio?
Como não ser excessivamente conivente e nem excessivamente rigoroso?
De inicio
precisamos ratificar que a disciplina na igreja é bíblica e necessária. A
disciplina é uma questão de obediência ao Senhor e de amor para com o
irmão. No entanto, a disciplina não deve
ser exercida de modo arbitrário, ela tem os seus parâmetros, limites e
objetivos. E é exatamente nesses pontos que alguns acabam se enrolando. Alguns,
mesmo não assumindo abertamente, acham que os líderes estão acima do bem e do
mal e que a disciplina é destinada apenas aos liderados e nunca para a
liderança. Não sou velho, mais já vivi tempo suficiente para perceber que em
muitos lugares as coisas são assim. Já vi igrejas onde os pastores fizeram
coisas absurdas e simplesmente empurraram a sujeira para debaixo do tapete.
Muitas vezes o que acontece a um líder faltoso é apenas a mudança de uma
congregação para a outra, e uma vez que o pecado não foi confrontado e aquela
pessoa não foi tratada, ele continuará a sua saga de iniquidade, trazendo
inúmeros prejuízos para a obra de Deus.
Infelizmente,
muitos líderes totalitários, filhotes da inquisição, usam a disciplina como se
fosse uma arma para proteger-se a si mesmos. Se alguém contraria alguma
prática, ele usa a disciplina de modo arbitrário, sem critério e nem respaldo,
apenas para silenciar aqueles que ele ver como possíveis ameaças ao seu
reinado. Mas como deve proceder a igreja de Cristo no exercício da disciplina?
Na segunda carta de Paulo aos coríntios há um relato interessante. O apóstolo
Paulo tencionava viajar até a Macedônia e de lá ele iria visitar os irmãos em
Corinto (1Co 16.5-7). Porém, Paulo mudou seus planos de modo que visitaria
Corinto primeiro, a caminho da Macedônia, e outra vez ao voltar (2 Co 1.15,16).
Isso foi motivo para discórdia e oposição. Alguns membros da igreja de Corinto
não viram com bons olhos a mudança de planos do apóstolo do Senhor. Levantaram
contra ele duras e pesadas acusações. Insinuaram que Paulo era um homem
inconstante, de meias palavras, que fazia promessas, mas não cumpria. Que não
havia integridade em suas palavras (2Co 1.17,18).
O
apóstolo Paulo responde aos seus críticos dizendo-lhes porque resolveu mudar
seus planos e não voltar a Corinto conforme havia prometido. “Eu, porém, por
minha vida, tomo a Deus por testemunha de que, para vos poupar, não tornei
ainda a Corinto” (2Co 2.23). Em sua primeira carta ele havia perguntado aos
crentes de Corinto: “Que preferis? Irei a vós outros com vara ou com amor e
espírito de mansidão?” (1Co 4.21). Depois que Paulo saiu de Corinto para Éfeso,
ele retornou a Corinto numa chamada visita dolorosa (2Co 2.1) e também escreveu
uma carta dolorosa (2Co 2.4). Paulo está decidido a não voltar nesse contexto
de hostilidade. A sua mudança de planos se deu não a um defeito na sua
integridade pessoal, mas sim à sua grande preocupação por eles. Em meio à
confusão instaurada por esse membro faltoso que havia espalhado boatos maldosos
a respeito de Paulo, o veterano apóstolo escreve uma carta severa, não obstante
carregada de amor cristão. Ele deseja que a igreja exerça a disciplina sobre o
transgressor e trouxesse de volta a pureza para a congregação.
O que é
digno de nota é que aqui nós podemos ver qual é o real objetivo da disciplina.
A disciplina não visa à vingança pessoal e nem a retaliação. Seu objetivo não é
levar o membro faltoso a morte, mas sim a restauração. Paulo declara: “De modo
que deveis, pelo contrário, perdoar-lhe e confortá-lo, para que não seja o
mesmo consumido por excessiva tristeza. Pelo que vos rogo que confirmeis para
com ele o vosso amor” (2Co 2.7,8). A disciplina havia encontrado o seu real
objetivo. O membro que havia se insurgido contra Paulo havia se arrependido e
agora está triste, contrito, pesaroso por causa do seu pecado. A tristeza
excessiva estava lhe consumindo. Após a disciplina a igreja deveria encorajar e
consolar esse homem. A igreja deveria acolher esse homem na comunidade e
ministrar a ele a abundância do amor. O amor restaura. O amor sara as feridas.
O amor fecha as cicatrizes feitas pelo pecado. O amor é bálsamo que traz alívio
à consciência. O amor não traz novamente á tona os fracassos do passado. Não
lança em rosto os tropeços de outrora. O propósito da disciplina não é a
destruição do faltoso, mas a sua restauração. È um ato de amor e não de
vingança. João Calvino dizia que: “Toda vez que a punição visar à vingança, ali
se manifestará a ira e a maldição de Deus, as quais nunca são dirigidas contra
os Seus fiéis. Por outro lado, a disciplina é benção de Deus e um testemunho do
Seu amor, como diz a Escritura”.[1]
O mesmo Calvino ainda diz: “Pois embora
seja possível que ele nos castigue, todavia não nos rejeita imediatamente,
senão que, ao contrário, dessa forma testifica que nossa salvação é o objeto do
seu cuidado”.[2]
Deus nos
disciplina porque Ele nos ama. Deus nos disciplina porque somos Seus filhos.
Deus nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua
santidade (Hb 12.6-13). A disciplina visa à restauração do faltoso. È um ato de
amor e de misericórdia. É um desejo sincero para que aquele que pisou fora do
caminho volte a andar corretamente por ele. Finalizo com as palavras do amado
pastor Hernandes Dias Lopes: “Satanás tem duas estratégias. A primeira delas é
induzir o homem a pensar que o pecado é inofensivo. A segunda é induzi-lo a
crer que não há restauração para os que caíram em suas amarras. Se a igreja
deixa de restaurar os que foram feridos e não os perdoa, Satanás alcança
vantagem em seu perverso intento”.[3]
Não permitamos que o diabo alcance vantagem sobre nós. Disciplinamos sim, mas
com amor e misericórdia. Não para a destruição, mas para a restauração e pureza
da igreja de acordo com o que a Escritura estabeleceu.
Rikison
Moura, V. D. M
A igreja precisa exercer disciplina de acordo com a Palavra de Deus, a fim de alcançar o real objetivo que é a restauração do membro faltoso.
ResponderExcluirDaniele Lima.